Pesquisa com jovens sul-americanos mostra que emprego digno é aspiração não somente por questões econômicas, mas também pela dignidade
por Marcelo Barros
“Juventude e integração sul-americana” é o título da pesquisa coordenada pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE) e pelo Instituo Polis em seis países do continente – Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai – entre março e dezembro de 2007. Mesmo para quem não viu todo o resultado desta pesquisa sobre a realidade da juventude no continente, o resumo que Maurício Santoro publicou no Le Monde Diplomatique Brasil (janeiro de 2008) nos traz boas notícias. A reportagem atesta que “nunca houve tantos jovens na América do Sul e que esta realidade deve perdurar até 2015” e “aposta na juventude para fortalecer a democracia nos diversos países”. Neste sentido, procura retratar a realidade dos rapazes e moças, encontrados singularmente nas ruas, praças e escolas e também analisa 19 organizações juvenis que exprimem demandas de mudança social. No Brasil, foram entrevistados jovens cortadores de cana do interior de São Paulo e jovens do Fórum da juventude do Rio de Janeiro. Também foi retratado o movimento que se chamou “revolta do Bizu”, movimento realizado por jovens em Salvador, BA, pelo passe livre nos ônibus e também o movimento hip-hop de Caruaru, PE. Assim, a pesquisa analisou 19 organizações e movimentos juvenis nos seis países escolhidos e as questões levantadas foram em relação à educação, trabalho, cultura e etnias. Certamente, as conclusões das pesquisas seriam outras se os entrevistadores e pesquisadores tivessem preferido ambientes onde a juventude é mais anônima. Espaços urbanos como favelas, sinucas, bares de periferia e bailes funk talvez dessem algumas respostas diversas daquelas que esta pesquisa colheu. Entretanto, se compreende a escolha dos locais e movimentos de pesquisa pelas perguntas a que se pretendiam responder: “Que papéis a juventude desempenha nos processos sociais de seus países e quais a expectativas e demandas dos jovens?”. A pesquisa revela que os jovens pleiteiam um emprego digno não somente por questões econômicas, mas também como direito de autonomia pessoal e dignidade. No que diz respeito à escola, a pesquisa constata muitas queixas com relação às leis educacionais e currículos que os governos impõem às escolas. Em todos os países pesquisados, os jovens revelaram descontentamento com relação à Escola como instituição desligada da vida de família e do bairro. Entretanto, foi no Chile que os jovens chegaram a formar a chamada “rebelião dos pingüins” contra os pressupostos da lei educacional. Recentemente, 800 mil jovens ocuparam colégios e foram às ruas em protesto contra a lei educacional do país, ainda elaborada na época da ditadura de Pinochet. A maioria dos jovens entrevistados manifestou grande interesse pela educação, mas grande decepção com a instituição escolar, muitas vezes, ainda pensada para as elites. Em todos os países, os jovens entrevistados afirmaram que, na sociedade, o jovem é visto como risco e problema, mais propenso à irresponsabilidade e à violência do que o adulto. Também destacaram que este modo preconceituoso da sociedade olhar a juventude influi na consciência que o próprio jovem tem de si mesmo e também nas próprias organizações juvenis. Por isso, grupos e organizações que lidam com juventude tendem a desenvolver uma cultura própria. Em alguns países, se fortalece um elemento próprio do que se poderia chamar de “cultura jovem”, um modo de lidar com a vida a partir da sensibilidade e do estilo comum à juventude. Com muita razão, as religiões e tradições espirituais valorizam a ancestralidade e a contribuição imensa dos mais velhos. Entretanto, isso não exclui o reconhecimento de que, como dizem documentos do cristianismo antigo, inclusive a Regra Beneditina, muitas vezes, o Espírito Divino revela o que é melhor aos mais jovens. É importante apostar na juventude e abrir-se aos jovens com os quais convivemos, tanto por questão de justiça, como porque a juventude, além de ser idade, é estado de espírito e pode contagiar o mundo todo com a força da esperança e uma proposta profunda de renovação que todos nós precisamos.
Marcelo Barros, monge beneditino e autor de 32 livros.
fonte: www.brasildefato.com.br